sábado, 23 de agosto de 2008

ATÉ QUANDO?


Nas escolas particulares, nos cursos superiores, nas melhores posições profissionais, nos restaurantes mais caros, nos melhores bairros das grandes cidades, os negros ainda são minoria. Em compensação, encontram-se em maioria nas celas das cadeias, nos subempregos, nos cargos menos elevados, nos bairros afastados, nas escolas em piores condições. Tudo isso ainda é o reflexo de um tempo em que escravos eram considerados seres sem alma, vendidos nos mercados públicos. Desde o dia 14 de maio de 1888, um dia depois que a liberdade foi oficialmente concedida a todos os homens e mulheres negros do Brasil - a última abolição de todo o planeta -, a distância na sociedade entre negros e brancos só vem aumentando no que diz respeito a desenvolvimento humano, educação, saúde, violência e habitação.

RACISMO SECRETO

Ao longo de novembro, mês da Consciência Negra, pesquisas foram divulgadas e análises foram feitas (clique aqui e leia entrevista) comprovando aquilo que muitos não querem - ou não conseguem - ver: negros e brancos não vivem no mesmo país. De acordo com o Relatório de Desenvolvimento Humano Brasil 2005 - Racismo, Pobreza e Violência, lançado em São Paulo pelo PNUD, Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, se os negros brasileiros formassem um país, ele ocuparia a 105ª posição no ranking mundial que mede o desenvolvimento social, enquanto o "Brasil branco" seria o 44º. A diferença é de 61 posições. É como se brancos vivessem nas ilhas Seychelles, e os pretos e pardos, na Argélia.

Na opinião do professor universitário e ativista do movimento negro Hélio Santos, o cordão não é visível, mas extremamente eficaz, pois cumpre seu papel: o de manter o negro onde ele sempre esteve, à margem. Hélio também é autor, entre outros livros, de A Busca de um Caminho para o Brasil - A Trilha do Círculo Vicioso. "A maioria dos homens negros que vão aos shoppings não sabe que está sendo vigiada", denuncia. "Eles são ingênuos, não notam." O ativista explica que a diferença fundamental entre aquilo que foi o apartheid na África do Sul e o que ainda permanece no Brasil é que a força do racismo de lá era a sua própria fraqueza. Ou seja, o fato de ele ser tão forte e explícito o tornava fraco, já que isso pegava mal diante do mundo. Daí, eles tiveram que mudar as regras. No Brasil, A força desse apartheid está na maneira aparentemente branda com que ele acontece.

DEBATER É PRECISO

A análise dos dados elaborada pelo PNUD revela, de fato, que as notícias não são nada boas para os negros: a diferença de escolaridade entre brancos e negros com mais de 25 anos passou de 1,7 ano, em 1960, para 2,1 anos, em 2000. A proporção de adolescentes negros cursando o ensino médio em 2000 era inferior à de adolescentes brancos no mesmo nível de ensino em 1991. Já os homens negros são os mais prejudicados no que diz respeito à esperança de vida, em boa parte porque nas últimas décadas foram particularmente atingidos pelo aumento da violência. Em 2000, a proporção de negros que viviam em favelas, palafitas e assemelhados era quase o dobro da de brancos. Estudos apontam que os negros são as maiores vítimas não só dos criminosos, mas também da instituição que deveria proteger o cidadão: a polícia. De acordo com o Censo de 2000, a probabilidade de um adulto preto estar na cadeia é quase quatro vezes a de um adulto branco.

Ainda no mês passado, o Ipea, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, divulgou que a renda média mensal das mulheres negras no Brasil, com base em dados de 2003, é de R$ 279,70, contra os R$ 554,60 pagos a mulheres brancas. Já os homens negros recebem salários médios de R$ 428,30, menos da metade dos R$ 931,10 impressos no holerite de um branco. Nos extremos, o ordenado de uma mulher negra equivale a 30% do de um branco do sexo masculino. Em relação às empregadas domésticas negras, a discriminação aumenta. Segundo o primeiro levantamento Trabalho Doméstico e Igualdade de Gênero e Raça, da OIT, Organização Internacional do Trabalho, o número de mulheres negras que trabalham como domésticas é pelo menos o dobro do número de domésticas não-negras.

Entre tão desanimadores, uma notícia que pode não parecer, mas é, boa: desde o momento em que o IBGE e o Ipea começaram a coletar dados e disseminar estatísticas sobre as desigualdades raciais no Brasil, a discussão sobre esses temas melhorou, se legitimou e ganhou novos espaços. "Por muito tempo, a questão das relações raciais no Brasil não foi debatida", afirma o sociólogo e coordenador do Observatório Afrobrasileiro Marcelo Paixão, foi pioneiro em distinguir os IDHs (Índice de Desenvolvimento Humano) de negros e brancos no Brasil. "Vivemos num país onde um problema de maior gravidade não é tratado como prioridade." Para Diva Moreira, editora do relatório Racismo, Pobreza e Violência, não há como negar a necessidade de políticas públicas nesse sentido. "A população branca tem mais possibilidade de se apropriar dos frutos do crescimento econômico do que a negra, e isso permanece ao longo das décadas."

A POLÊMICA DAS COTAS

"Por isso, um jovem negro não deve ter vergonha da política de cotas porque todos os demais grupos já recebarem as suas devidas ações afirmativas", sustenta Hélio. "O escândalo não é ter investido nos imigrantes, mas não ter investido nos negros, que já vinham construindo o Brasil há 300 anos. Por isso me comove e me aborrece a estupidez cultural e intelectual do negro brasileiro, como o cantor Alexandre Pires, por exemplo, que certa vez disse que se existe cota para negros, tem que ter para japonês", critica. "Os imigrantes japoneses, quando vieram para o Brasil, ganharam terra, dinheiro, estímulo. Eu fico triste ao perceber que os negros brasileiros não são tão mal-informados a ponto de não saberem disso."

Alexandre Pires se defende. "Sobre essa questão, humildemente falando, acho mesmo que eu deveria me informar mais, debater mais", diz ele. "Provavelmente eu não tenha sido muito preciso no exemplo que dei. Talvez devesse ter citado os índios." O cantor ressalta que não tem uma posição contra ou a favor das cotas para negros, mas acredita que as oportunidades devem ser dadas a todos.

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