quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Irregularidades na Operação Pipa

Exército e Defesa Civil apuram denúncias de irregularidades na Operação Pipa realizada em Pedra Branca

Fortaleza. É o que se chama de tripudiar da miséria alheia. Desde dezembro passado, moradores do distrito de Cruzeta, na cidade de Pedra Branca, a 261km de Fortaleza, vêm convivendo com uma situação vexatória: a água distribuída à comunidade em caminhões-pipas é retirada de açudes barrentos, sem condição para o consumo humano. O motivo suposto é, no mínimo, mesquinho: economizar na quilometragem dos veículos para não ter de captar água em reservatórios mais distantes, porém de qualidade atestada. Desde novembro de 2008, o município é atendido pela Operação Pipa, coordenada pelo Exército.

A denúncia foi apresentada ao Exército, à Coordenadoria Estadual de Defesa Civil (Cedec) e ao Diário do Nordeste pelo prefeito de Pedra Branca, Antônio Gois. Um vídeo de cerca de sete minutos e 30 segundos, feito pela própria população, registra um caminhão-pipa pegando água do Açude das Oiticicas, em Cruzeta. O reservatório não tem condições de uso para consumo humano, conforme o prefeito, e três moradores cujos depoimentos aparecem na gravação.

Segundo o prefeito, os açudes autorizados a terem a água retirada para a Operação Pipa na região são o Trapiá, a 20km de Cruzeta, e o Cupim, a 36km. Este último fica no município de Independência. Em vez de captarem água nos locais indicados, os pipeiros estão coletando nos açudes Urubu e das Oiticicas, ambos em Cruzeta. A distância dos reservatórios impróprios para a casa das famílias atendidas é bem menor: de cerca de cinco quilômetros.

Além disso, uma mulher de nome Magna denuncia no vídeo que dois homens disfarçados com a farda do Exército – um deles, reconhecido como pipeiro — passaram na comunidade recolhendo os tíquetes que devem ser entregues pela população somente depois do recebimento da água. Detalhe: os supostos militares não entregaram água alguma.

Para completar, de acordo com o prefeito e o chefe de gabinete, desde o último mês de dezembro, os fiscais voluntários da Prefeitura que verificavam a retirada da água dos açudes e a entrega na comunidade vêm sendo impedidos de continuar esse trabalho. Devido ao problema, tem aumentado o número de pacientes atendidos no hospital municipal da cidade, sobretudo crianças, com verminoses e diarréia. “As pessoas estão indo à Prefeitura pedir água boa”, completa Neto.

De acordo com o tenente-coronel Evandro Gondim, subcomandante do 23º BC, unidade operacional responsável pela operação em Pedra Branca, a denúncia, incluindo o vídeo, foi recebida ontem e será apurada. Caso a irregularidade seja comprovada, o pipeiro responsável será imediatamente afastado e poderá, inclusive, sofrer sanções na esfera criminal, com o caso sendo encaminhada ao Ministério Público.

Não conclusivo
Apesar disso, o subcomandante alerta que o vídeo não é conclusivo, pois, em nenhum momento, é filmada a placa do caminhão que coleta água do açude. “Por ser um carro-pipa, não quer dizer que esteja trabalhando com a gente. Pode ser, pode não ser”, pondera. Sobre o afastamento de fiscais da Prefeitura, Gondim afirma que a medida não foi tomada pelo Exército: “O que a gente sempre prega é que o maior fiscal do programa é a própria população”.

A água dos dois açudes citados na denúncia não é utilizável, segundo as análises bioquímicas contratadas pelo Exército. Segundo o coronel Gondim, os pipeiros contratados pela instituição só podem coletar água dos açudes Cupim e Trapiá, mesmo assim com a adição de hipoclorito de sódio.

Para o major Neyton Araújo Pinto, que assumiu a coordenação da Operação Pipa nesta semana, se comprovada, a irregularidade é “desonestidade” do pipeiro. Ele anunciou que a 10ª

Região Militar também fará auditoria para apurar o caso. “A gente recebe denúncias de todos os tipos, procedentes e improcedentes. Infelizmente, falta pessoal para fiscalizar”, reconhece, citando que há duas ou três equipes fazendo a fiscalização por semana.

Nesse sentido, o major anunciou a criação do Escritório Regional da Operação Pipa como uma medida importante para ajudar na fiscalização. Outra medida, em estudo, é a instalação de GPS nos caminhões-pipas para verificar o percurso feito pelos pipeiros. Atualmente, o controle da operação é feito apenas com base na prestação de contas, pelos pipeiros, dos tíquetes entregues pela população depois de receberem a água. Referindo-se ao caso dos homens disfarçados com a farda do Exército, diz que a população só deve entregar os tíquetes se receber a água.

Já a assessora técnica da Cedec, Maria Ioneide Araújo, confirmou o recebimento da denúncia e disse que o material está sob a análise da coordenação. Caso comprovada, o caso será encaminhado ao Ministério da Integração Nacional, que pode até bloquear a liberação de verba para a Operação.

ÍCARO JOATHAN
Repórter


ENQUETE

Como a Operação está na sua comunidade?
Magna Davi Mendes
Agricultora
"Tomei um susto quando trouxeram a água. Estava muito ruim. Era só lama. Reclamei, mas não aconteceu nada".

Miguel Bezerra de Carvalho
Agricultor
"Fui obrigado a cavar uma vala no caminho do açude do meu patrão porque senão os pipeiros iam acabar com a água".


FIQUE POR DENTRO

Caso recente em Santa Catarina chocou o País
A ação de ´aproveitadores da miséria alheia´ chocou o Brasil no mês passado. Em Blumenau, uma gravação da RBS TV (afiliada à Rede Globo) flagrou soldados do Exército desviando roupas e outros produtos doados pela população de todo o País para ajudar as vítimas das enchentes que deixaram mais de 100 mortos em Santa Catarina. Voluntários também foram filmados ao selecionar e furtar objetos doados que estavam no local. Uma câmera escondida gravou militares jogando e chutando roupas para fora de um caminhão de doações.

Mais informações:
Disque Denúncia da Operação Pipa - 10ª Região Militar
(85) 3255.1673
(85) 3255.1642
Qualquer pessoa pode denunciar

POPULAÇÃO PREJUDICADA

Moradores ratificam denúncias feitas
Pedra Branca. Os moradores de Cruzeta, segundo maior distrito de Pedra Branca, situado a 36km da sede deste município, confirmam as denúncias do prefeito Antônio Gois. O abastecimento emergencial de água coordenado pelo Exército Brasileiro, conhecido como Operação Pipa, não está atendendo os critérios estabelecidos no programa. Em vez de abastecerem os caminhões na barragem do Cupim, no município de Independência, parte dos pipeiros estava transportando água de barreiros situados nas imediações da comunidade.

Como estratégia para disfarçar as irregularidades, motoristas dos carros-pipas cadastrados no programa emergencial apanham água nos reservatórios de fazendas situadas nas imediações da vila. Alegam que atendem pedidos particulares. Os caminhões não possuem adesivos de identificação. Podem circular livremente sem que a fraude seja detectada. Todavia nenhum caminhão foi encontrado na manhã de ontem no Urubu e no Oiticica.

Segundo o coordenador comunitário da Secretaria Municipal de Agricultura, Reginaldo Costa de Sousa, responsável pelo acompanhamento da operação emergencial, até a última segunda-feira, boa parte da água consumida pela comunidade estava sendo transportada dos dois açudecos, situados na margem da BR-020. Ele e boa parte dos moradores acreditam que a distribuição foi paralisada com receio de serem flagrados pela reportagem.

Água barrenta
O gerente da Fazenda Oiticica, Miguel Bezerra de Carvalho, informou que a prática era comum até dias atrás. Os caminhões do Operação Pipa estavam secando o pequeno reservatório particular. Como fica a pouco mais de 5km da sede do distrito, podiam economizar 60km de percurso até a barragem credenciada para abastecer as cisternas e tanques da região. A insistência lhe obrigou a fazer uma barreira e até cavar uma vala para que não chegassem à beira do reservatório a propriedade rural. Mais uma prova das irregularidades.

A proprietária de um dos tanques espalhados pela vila, Antônia Neide Rabelo de Lima, informou ter se assustado quando foi apanhar água alguns dias atrás. A água despejada no reservatório estava muito barrenta, parecia lama. Ao entregar o tíquete ao responsável pelo abastecimento, o caminhoneiro conhecido por “Zequinha”, reclamou da qualidade do líquido. Segundo ela, o problema não ocorreu mais.

O pipeiro José Edvalso da Silva, conhecido por “Zequinha”, contesta as acusações. Alega cumprir fielmente as normas estabelecidas pelo Exército. Diariamente realiza duas viagens ao Açude de Independência. São 70km de percurso em cada viagem. Quanto à água barrenta retirada de seu reservatório particular, justificou que a utiliza apenas para atender pedidos da vizinhança, inclusive abasteceu três vezes a cisterna do posto de saúde de Cruzeta, a pedido dos servidores. Não cobrou nada pelo serviço. A versão de “Zequinha” é confirmada pela administração da unidade de saúde.

Um dos pipeiros denunciados negou que a coleta imprópria fosse para a operação

Mesmo assim, as denúncias continuam. Os moradores também dão conhecimento de outros casos graves. A agricultora Magna Davi Mendes disse que ao entregar os tíquetes de abastecimento a um soldado fardado, o qual passou na porta de sua casa em um automóvel, era Abdias Filho, um morador do distrito de Cruzeta. Ela confirmou que ele se passou como militar, mas ele não foi localizado pela reportagem.

Por conta dos problemas constatados, as mais de 650 famílias que residem no distrito esperam que, além de apurar as irregularidades, o Exército mantenha uma equipe de fiscalização. Acreditam ser a única maneira de evitar fraudes no programa federal, enquanto o projeto de construção de um açude público, com capacidade para 70 milhões de metros cúbicos, não se concretiza. Segundo a Prefeitura de Pedra Branca, o reservatório está orçado em R$ 7 milhões.

ALEX PIMENTEL
Colaborador

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