domingo, 4 de janeiro de 2009

REVOLUÇÃO CUBANA: 50 anos depois


Mesmo sem a onipresença de Fidel, a Revolução Cubana sobrevive. Meio século depois, continua como referência - para o bem e o mal

Setenta por cento dos 11 milhões de cubanos não tinham nem nascido quando Fidel Castro desfilou triunfante pelas ruas de Santiago, há meio século, naquele primeiro de janeiro de 1959. Eles cresceram sob o signo da Revolução e acostumaram-se à imagem quase mítica de “El Comandante” e de outros líderes revolucionários. Ao descer a Serra Maestra para tomar o poder, o grupo de barbudos rebeldes liderado por Fidel Castro não estava mudando apenas a História da pequena ilha, com área menor que a do Estado do Ceará. Ao longo de cinco décadas, Cuba esteve no centro de acontecimentos que transcenderam - e muito - as fronteiras caribenhas.

Mesmo sem a onipresença de Fidel, forçado pela saúde a delegar o poder ao irmão Raúl, em fevereiro do ano passado, a Revolução Cubana sobrevive. E não só no imaginário da esquerda romântica. O movimento que derrubou o governo pró-americano do general Fulgencio Batista ganhou visibilidade no mundo como um dos mais emblemáticos do Século XX. Nestes 50 anos, a Revolução Cubana criou ícones como Ernesto “Che” Guevara, confrontou e resistiu ao império americano, embalou idealistas de todos os continentes, virou um santuário da esquerda e alimentou o sonho de várias gerações. Lapidada por Fidel, Cuba tornou-se uma referência mundial - para o bem ou para o mal.

A Revolução Cubana deu corpo a uma ilha de contradições. O país que viu centenas de dissidentes políticos serem fuzilados no “paredão” é o mesmo que exibe elevados níveis de educação e saúde. Ao mesmo tempo em que censura a imprensa, a internet e monitora as manifestações populares, o regime criado por Fidel transformou a pequena ilha em uma potência olímpica. A nação que assiste a muitos de seus filhos arriscarem-se no mar em pequenos barcos, buscando um pouco mais de liberdade do outro lado do Caribe, é a mesma que criou uma geração de pessoas orgulhosas de seu país.

Não existe meio termo. Como legado da Guerra Fria, Cuba é vista como o céu ou o inferno. Mas é difícil haver divergência sobre a beleza de “Morango e Chocolate” (1993), de Tomás Gutierrez Alea (1928-1996) e Juan Carlos Tabio, uma das referências do cinema cubano e o primeiro filme a cruzar os limites da ilha e chegar ao grande circuito comercial. A obra traz à tona discussões e reflexões acerca da complexidade histórica da realidade cubana. E revela as contradições econômicas, políticas, sociais e culturais encontradas no país. Também vale esquecer as divergências para assistir “Soy Cuba” (1964), feito pelo soviético Mikhail Kalatozov, sob a chancela de Fidel.

Mísseis nucleares

Ninguém fica indiferente ao regime cubano, mesmo longe da ilha. Os opositores costumam atribuir ao governo do país os maiores crimes contra os direitos humanos cometidos nas últimas décadas. Alguns se opõem mesmo sem saber mensurar o que acontece na ilha, apenas pela aversão à palavra “comunismo”, que sob Fidel virou sinônimo de Castrismo. Para os simpatizantes, a Revolução Cubana representa uma experiência socialista bem sucedida, que fez com que a taxa de analfabetismo caísse de 37,5% da população, em 1959, para cerca de 3,5% atualmente; e o índice de saúde fosse de primeiro mundo, com mortalidade infantil de apenas 5,3 para cada mil nascimentos - menor que a dos Estados Unidos - e expectativa de vida de 77 anos.

Desde o início da Revolução, não faltam críticas depreciativas, de um lado, e manifestações de apoio ao regime, do outro. E assim a pequena ilha governada pelo comandante Fidel foi ganhando visibilidade. Em 1962, o país esteve no epicentro de um dos momentos de maior tensão da Guerra Fria, quando a União Soviética iniciou a construção de uma base de mísseis nucleares na ilha, distante apenas 120 quilômetros do território americano. O episódio quase levou o mundo a uma terceira guerra mundial. Não aconteceu a guerra, mas a crise deixou como legado o embargo comercial americano à ilha, que se estende desde aquela época.

A ilha cubana ficou ainda mais isolada. Durante muitos anos, o país dependeu da ajuda financeira, militar e técnica dos soviéticos. Com o desaparecimento da União Soviética, em 1991, Cuba entrou em uma profunda crise, que exigiu mudanças na economia. Nos últimos anos, o comércio passou a vender celulares, computadores e eletrodomésticos até então proibidos ao cubano comum. Os aparelhos de DVD são febre no país, embora os preços não sejam nada socialistas. Já os filmes disponíveis são aqueles que passaram pelo crivo do Estado. A censura local e o embargo americano também impedem que cheguem à ilha obras-primas da literatura mundial.

Projetos culturais

Os 50 anos da Revolução Cubana estão sendo comemorados em um cenário mais favorável, num momento em que o país contempla um incremento nas pesquisas e nos projetos culturais, principalmente nas áreas de patrimônio, criação artística e crítica musical. Atualmente, estão em processo de edição os livros sobre a música popular cubana de Nerys Gonzáles e Liliana Casanella e a obra testemunhal “História para uma história”, de Grisel Hernández, sobre a vida de Argeliers León (1918-1991), considerado o pai da musicologia cubana. A música produzida na ilha passou a despertar interesse em todo o mundo - principalmente após a realização do disco e do filme “Buena Vista Social Club”.

No ano passado, Cuba foi eleita membro do Comitê Intergovernamental para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial da Unesco, junto com outros 11 países. Isso implica assumir o compromisso de proteger as tradições e expressões orais, incluindo o idioma, a música tradicional, a dança e o teatro, além dos conhecimentos e usos relacionados com a natureza e as técnicas artesanais. Mas a maior revolução do momento vem sendo guiada pela batuta da filha de Raúl Castro, Marieta, diretora do Centro Nacional de Educação Sexual.

Ela está à frente de um movimento que conseguiu três façanhas: a realização do Dia Mundial Contra a Homofobia - agora com apoio do governo; a permissão para que cubanos façam cirurgias de mudança de sexo; e a criação de um cineclube que, mensalmente, exibe filmes com temática gay. Com isso, o regime tenta se atualizar e reduzir uma repressão histórica aos homossexuais. Fidel chegou a dizer que não acreditava que um homossexual pudesse ser um revolucionário. Mas os tempos são outros.

Símbolo da cubanidade

A eleição de Barack Obama, nos Estados Unidos, abre uma nova perspectiva para os destinos de Cuba. Há quem acredite que a disposição do novo presidente norte-americano em dialogar com o governo cubano seja o início de um acordo para o fim do embargo comercial à ilha. Todos os cubanos sofrem com o isolamento do país, mas os líderes históricos da Revolução têm medo que muitas mudanças desencadeiem disputas internas e criem um clima favorável para a transferência de comando.

O presidente venezuelano, Hugo Chávez, principal aliado e um dos mais barulhentos defensores do Castrismo, é uma das vozes que se opõem a transformações radicais em Cuba. Mas a maior resistência a mudanças na ilha vem da figura de Fidel Castro. E não importa se o corpo do velho revolucionário, hoje com 82 anos, já não é o mesmo que desceu Serra Maestra há 50 anos. Não importa se ele trocou o fuzil pela assinatura de esporádicos editoriais no jornal oficial “Granma”. Mesmo entre os opositores cubanos, é possível encontrar quem reverencie o velho comandante, símbolo da cubanidade. Ainda que com todas as suas contradições.

DÉLIO ROCHA
repórter

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