domingo, 4 de janeiro de 2009

REVOLUÇÃO CUBANA: 50 anos depois


Mesmo sem a onipresença de Fidel, a Revolução Cubana sobrevive. Meio século depois, continua como referência - para o bem e o mal

Setenta por cento dos 11 milhões de cubanos não tinham nem nascido quando Fidel Castro desfilou triunfante pelas ruas de Santiago, há meio século, naquele primeiro de janeiro de 1959. Eles cresceram sob o signo da Revolução e acostumaram-se à imagem quase mítica de “El Comandante” e de outros líderes revolucionários. Ao descer a Serra Maestra para tomar o poder, o grupo de barbudos rebeldes liderado por Fidel Castro não estava mudando apenas a História da pequena ilha, com área menor que a do Estado do Ceará. Ao longo de cinco décadas, Cuba esteve no centro de acontecimentos que transcenderam - e muito - as fronteiras caribenhas.

Mesmo sem a onipresença de Fidel, forçado pela saúde a delegar o poder ao irmão Raúl, em fevereiro do ano passado, a Revolução Cubana sobrevive. E não só no imaginário da esquerda romântica. O movimento que derrubou o governo pró-americano do general Fulgencio Batista ganhou visibilidade no mundo como um dos mais emblemáticos do Século XX. Nestes 50 anos, a Revolução Cubana criou ícones como Ernesto “Che” Guevara, confrontou e resistiu ao império americano, embalou idealistas de todos os continentes, virou um santuário da esquerda e alimentou o sonho de várias gerações. Lapidada por Fidel, Cuba tornou-se uma referência mundial - para o bem ou para o mal.

A Revolução Cubana deu corpo a uma ilha de contradições. O país que viu centenas de dissidentes políticos serem fuzilados no “paredão” é o mesmo que exibe elevados níveis de educação e saúde. Ao mesmo tempo em que censura a imprensa, a internet e monitora as manifestações populares, o regime criado por Fidel transformou a pequena ilha em uma potência olímpica. A nação que assiste a muitos de seus filhos arriscarem-se no mar em pequenos barcos, buscando um pouco mais de liberdade do outro lado do Caribe, é a mesma que criou uma geração de pessoas orgulhosas de seu país.

Não existe meio termo. Como legado da Guerra Fria, Cuba é vista como o céu ou o inferno. Mas é difícil haver divergência sobre a beleza de “Morango e Chocolate” (1993), de Tomás Gutierrez Alea (1928-1996) e Juan Carlos Tabio, uma das referências do cinema cubano e o primeiro filme a cruzar os limites da ilha e chegar ao grande circuito comercial. A obra traz à tona discussões e reflexões acerca da complexidade histórica da realidade cubana. E revela as contradições econômicas, políticas, sociais e culturais encontradas no país. Também vale esquecer as divergências para assistir “Soy Cuba” (1964), feito pelo soviético Mikhail Kalatozov, sob a chancela de Fidel.

Mísseis nucleares

Ninguém fica indiferente ao regime cubano, mesmo longe da ilha. Os opositores costumam atribuir ao governo do país os maiores crimes contra os direitos humanos cometidos nas últimas décadas. Alguns se opõem mesmo sem saber mensurar o que acontece na ilha, apenas pela aversão à palavra “comunismo”, que sob Fidel virou sinônimo de Castrismo. Para os simpatizantes, a Revolução Cubana representa uma experiência socialista bem sucedida, que fez com que a taxa de analfabetismo caísse de 37,5% da população, em 1959, para cerca de 3,5% atualmente; e o índice de saúde fosse de primeiro mundo, com mortalidade infantil de apenas 5,3 para cada mil nascimentos - menor que a dos Estados Unidos - e expectativa de vida de 77 anos.

Desde o início da Revolução, não faltam críticas depreciativas, de um lado, e manifestações de apoio ao regime, do outro. E assim a pequena ilha governada pelo comandante Fidel foi ganhando visibilidade. Em 1962, o país esteve no epicentro de um dos momentos de maior tensão da Guerra Fria, quando a União Soviética iniciou a construção de uma base de mísseis nucleares na ilha, distante apenas 120 quilômetros do território americano. O episódio quase levou o mundo a uma terceira guerra mundial. Não aconteceu a guerra, mas a crise deixou como legado o embargo comercial americano à ilha, que se estende desde aquela época.

A ilha cubana ficou ainda mais isolada. Durante muitos anos, o país dependeu da ajuda financeira, militar e técnica dos soviéticos. Com o desaparecimento da União Soviética, em 1991, Cuba entrou em uma profunda crise, que exigiu mudanças na economia. Nos últimos anos, o comércio passou a vender celulares, computadores e eletrodomésticos até então proibidos ao cubano comum. Os aparelhos de DVD são febre no país, embora os preços não sejam nada socialistas. Já os filmes disponíveis são aqueles que passaram pelo crivo do Estado. A censura local e o embargo americano também impedem que cheguem à ilha obras-primas da literatura mundial.

Projetos culturais

Os 50 anos da Revolução Cubana estão sendo comemorados em um cenário mais favorável, num momento em que o país contempla um incremento nas pesquisas e nos projetos culturais, principalmente nas áreas de patrimônio, criação artística e crítica musical. Atualmente, estão em processo de edição os livros sobre a música popular cubana de Nerys Gonzáles e Liliana Casanella e a obra testemunhal “História para uma história”, de Grisel Hernández, sobre a vida de Argeliers León (1918-1991), considerado o pai da musicologia cubana. A música produzida na ilha passou a despertar interesse em todo o mundo - principalmente após a realização do disco e do filme “Buena Vista Social Club”.

No ano passado, Cuba foi eleita membro do Comitê Intergovernamental para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial da Unesco, junto com outros 11 países. Isso implica assumir o compromisso de proteger as tradições e expressões orais, incluindo o idioma, a música tradicional, a dança e o teatro, além dos conhecimentos e usos relacionados com a natureza e as técnicas artesanais. Mas a maior revolução do momento vem sendo guiada pela batuta da filha de Raúl Castro, Marieta, diretora do Centro Nacional de Educação Sexual.

Ela está à frente de um movimento que conseguiu três façanhas: a realização do Dia Mundial Contra a Homofobia - agora com apoio do governo; a permissão para que cubanos façam cirurgias de mudança de sexo; e a criação de um cineclube que, mensalmente, exibe filmes com temática gay. Com isso, o regime tenta se atualizar e reduzir uma repressão histórica aos homossexuais. Fidel chegou a dizer que não acreditava que um homossexual pudesse ser um revolucionário. Mas os tempos são outros.

Símbolo da cubanidade

A eleição de Barack Obama, nos Estados Unidos, abre uma nova perspectiva para os destinos de Cuba. Há quem acredite que a disposição do novo presidente norte-americano em dialogar com o governo cubano seja o início de um acordo para o fim do embargo comercial à ilha. Todos os cubanos sofrem com o isolamento do país, mas os líderes históricos da Revolução têm medo que muitas mudanças desencadeiem disputas internas e criem um clima favorável para a transferência de comando.

O presidente venezuelano, Hugo Chávez, principal aliado e um dos mais barulhentos defensores do Castrismo, é uma das vozes que se opõem a transformações radicais em Cuba. Mas a maior resistência a mudanças na ilha vem da figura de Fidel Castro. E não importa se o corpo do velho revolucionário, hoje com 82 anos, já não é o mesmo que desceu Serra Maestra há 50 anos. Não importa se ele trocou o fuzil pela assinatura de esporádicos editoriais no jornal oficial “Granma”. Mesmo entre os opositores cubanos, é possível encontrar quem reverencie o velho comandante, símbolo da cubanidade. Ainda que com todas as suas contradições.

DÉLIO ROCHA
repórter

Mais símbolo visual da revolução, Che Guevara ganha biografias no cinema e nos quadrinhos

Jacques Aumont, um dos principais pensadores do cinema, definiu a modernidade ocidental como a “civilização da imagem”. Para o intelectual francês, vivemos num mundo onde a quantidade, as modalidades e o intercâmbio de imagens são cada vez mais numerosos. Tanto que o visual ocupa cada vez mais espaço em terrenos onde antes sua presença era tímida. É o caso da arte narrativa - cujas expressões tradicionais estariam em vias de extinção, segundo o filósofo alemão Walter Benjamin. O cinema e as histórias em quadrinhos, duas artes que nasceram no final do século XIX, são expressões claras desta invasão.

Não é difícil imaginar que, com os modelos tradicionais abalados, as narrativas visuais tenham tomado a dianteira. Isto implica em sociabilizar experiências, de maneira análoga ao que faziam figuras com os jograis da Idade Média e os livros que contam a histórias dos santos. O líder guerrilheiro Che Guevara é uma personagem exemplar neste mundo de imagens que narram.

Sua imagem em preto e branco, registrada pelo cubano Alberto Korda (1928 - 2001), em 1960, tornou-se uma das mais célebres do século XX (tanto quanto a do físico Albert Einstein mostrando a língua). Não faltou quem arriscasse interpretar as feições de Che, enxergando idealismo em seu olhar, a cabeça erguida com heroísmo e a profética postura de uma mártir moderno. É esse Che Guevara de muitos significados que se tornou um ícone da cultura pop, tanto quanto Mickey Mouse, Elvis e insígnias hippie. Ela se encontra estampada no merchandising de grupos de rock (caso do Rage Against the Machine), em camisetas de lojas de departamento e capas de caderno.

Narrativas visuais

Por si só, uma imagem pode ser capaz de uma narrativa mínima. Todos os feitos, aventuras e desventuras de Che, são trocados pela sintética definição: um guerrilheiro argentino que participou da revolução cubana. Che foi mais que isso. Não são poucos os que sabem isso e se empenham para que, para uma cultura de massa, ele seja mais que uma foto e uma legenda. Com a efeméride dos 50 anos da revolução, três biografias visuais procuram expandir a imagem de Che.

A mais comentada é do cineasta norte-americano Steven Soderbergh, diretor de filmes como cineasta norte-americano “Traffic” (2000) e “Onze homens e um segredo” (2001). Dividido em dois filmes - cujos subtítulos são “O Argentino” e “Guerilha” -, a cinebiografia é protagonizada por Benicio Del Toro. Ambas estreiam no começo deste ano. Se espera é que o Che Guevara de Soderbergh se aproxime mais da figura do comandante revolucionário, diferente do herói em formação retratado em “Diários de Motocicleta” (2004), filme do brasileiro Walter Salles.

No final de 2008, chegou às livrarias e comic shops aquela que deve ser a mais antiga biografia visual do argentino. Trata-se de uma história em quadrinhos, escrita pelo argentino Héctor Germán Oesterheld e desenhada pelo uruguaio Alberto Breccia, com a ajuda do filho Enrique. Che tem, pelo menos, outras duas biografias em HQ: uma do Kim Yong-hwe; e outra, recém-lançada nos EUA, de Spain Rodriguez.

DELLANO RIOS
Repórter

CINEMA

Che: I & II - (EUA, 2008), de Steven Soderbergh. Com Ernesto Che Guevara, Julia Ormond, Demián Bichir e Rodrigo Santoro. Drama. Estréia em fevereiro

Diários de motocicleta - (Brasil, França, EUA e outros, 2004), de Walter Salles. Com Gael García Bernal, Rodrigo de La Serna e Mía Maestro. Drama.

QUADRINHOS

Che: os últimos dias de um herói - (Conrad, 2008, 96 páginas, R$ 34,90), de Hector Oesterheld, Alberto e Enrique Breccia.

Che - (Conrad, 2007, 248 páginas, R$ 23,50), de Kim Yong-hwe

Che: a graphic biography - (Verso Books [EUA], 2008, 120 páginas, US$ 16,95 ), de Spain Rodriguez

LITERATURA
Paixões e contradições cubanas



Naquele 1° de janeiro de 1959, quando os guerrilheiros revolucionários tomaram o poder do general Fulgêncio Batista (1901 -1973), Pedro Juan Gutiérrez tinha nove anos. Suas memórias, portanto, abrangem dois momentos da ilha: quando era um bordel mal disfarçado para desfrute dos falsos puritanos dos EUA; e quando o regime socialista transformou o país política, econômica e culturalmente. Memórias que o autor imprime na literatura que produz.

Pedro Juan Gutiérrez é um dos mais afamados escritores cubanos da última década. Por méritos literários próprios chamou a atenção do público de línguas espanhola e portuguesa. A crítica - por “sugestão” de algum editor esperto - conferiu-lhe o rótulo de Charles Bukowski latino-americano. Comparação fácil que se sustenta no trato de um e de outro com o submundo das sociedades em que estão inseridos.

No entanto, Gutiérrez é bem mais que a adaptação de um modelo para um outro contexto. Diferente de Bukowski, o cubano não pode se desviar das questões políticas que o cercam (política aqui pensada da maneira mais tradicional possível). Ao equacioná-los em sua literatura, o escritor acaba produzindo um documento singular.

Em seus romances e contos, o leitor não vai encontrar uma leitura maniqueísta da realidade cubana. Da maneira como Pedro Juan Gutiérrez descreve a ilha, Cuba é um grande palco de contradições. Por meio de sua prosa, o autor pinta um quadro raro, que não coincide com a visão detratora, que quer enxergar uma grande favela de 11 milhões de habitantes, governada com mão de ferro por um comunista louco; nem com o pequeno paraíso terrestre, invejado por simpatizantes de todas as latitudes.

Um discurso amoroso

Grosso modo, os dramas humanos de que fala Pedro Juan Gutiérrez se dão nas partes mais miseráveis da ilha, marcados por sexo, álcool e outros abusos. À primeira vista pode parecer uma perspectiva pessimista. No entanto, é possível encontrar um olhar amoroso em obras como “Trilogia suja de Havana” (1998), “O Rei de Havana” (1999) e “Animal tropical” (2000). Marcadamente autobiográficos, os romances reconstituem os momentos de crise que o país enfrentou, nas décadas de 80 e 90. Seus protagonistas transitam por um submundo ao mesmo tempo brutal e romanticamente boêmio.

Gutiérrez é um apaixonado pelo povo cubano. É um observador crítico da ilha, mas não vê seu destino como uma degradação de seu povo. Prova disso é o estranho “Nosso GG em Havana”, editado no Brasil em 2008, pela Alfaguara/ Objetiva. No livro, o escritor abandona sua perspectiva de retratar a Cuba pós-revolução e convida o leitor para visitar a ilha dos anos 50, às vésperas da tomada de poder pelos comunistas. O retrato que se vê é mais turvo que a sujeira que serve de musa para o escritor.

DELLANO RIOS
Repórter


CINEMA: O poder do ICAIC
Instituto de Cinema foi uma das primeiras medidas culturais do governo revolucionário

Além de ser uma poderosa indústria de entretenimento, o cinema também é um fértil campo de discussão de idéias ao usar imagens e sons para difundir ideologias e transformar hábitos culturais. O cinema diverte e ao mesmo tempo consolida a imagem de povos e países. Filmes narram histórias e são determinantes na construção de uma memória para certos acontecimentos. A sétima arte gera lucros e também colabora para a formação de uma identidade nacional.

Não por acaso, após a Revolução Cubana, em 1959, o novo governo de Cuba fez uso do cinema para propagar seus ideais e modificar o modo de pensar dos cidadãos da ilha. Com uma premissa de discussão do cinema como forma de arte, a sétima arte ganhou espaço no governo revolucionário e foi utilizada como uma forma de crítica, de tomada de consciência, de experimentação e que mostrava a história a partir de uma nova leitura. O cinema deveria ser autêntico e cumprir um papel de revelador da verdade, funcionando como um instrumento importante no processo de luta.

Política cultural

Para que o cinema fosse mais uma ferramenta da nova luta, foi criado, pouco mais de 80 dias após a revolução, o Instituto Cubano de Arte e Indústria Cinematográfica (ICAIC). A primeira instituição cultural da Revolução Cubana, fato revelador da importância do cinema nos planos do novo governo, marcou os primeiros anos da política cultural dessa nova fase da história do país, servindo como palco para um intenso debate entre a intelectualidade, cineastas, artistas e dirigentes revolucionários. A partir do ICAIC, discutia-se o caráter da arte revolucionária, a liberdade de produção e expressão do artistas e do escritor e o papel dos intelectuais na atualidade.

Maria Helena Rolim Capelato, na tese de doutorado defendida na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, “O Instituto Cubano del Arte e Industria Cinematográficos (ICAIC) e a política cultural em Cuba (1959-1991)”, revela parte da história do Instituto e a posição privilegiada que ele ocupava em relação a outros organismos culturais vigentes no governo pós-revolucionário do período. “O governo instituído com a Revolução, em 1959, ambicionava promover em Cuba um grande desenvolvimento e ampla popularização dos bens culturais”, escreve. “Para isso, desde os primeiros anos da década de 1960, houve a promoção de muitos eventos massivos e foi dada prioridade às artes que mais facilmente atingem as massas - particularmente, o cinema - para que a propaganda política do novo governo abarcasse uma grande quantidade de pessoas”.

O Instituto gozava de considerável autonomia em relação aos mecanismos de controle governamental, por meio de ação dos cineastas e da mediação de sua direção, graças, principalmente, ao papel destinado pela Revolução ao cinema. “A prioridade que o novo governo deu à criação de um instituto de cinema era explicada com o argumento de que a sétima arte era um veículo ímpar de propaganda ideológica ‘da Revolução’ porque divulgava didaticamente, para as massas, as novas idéias e tinha um eficaz - e universal - poder transformador”, continua a pesquisadora Maria Helena.

Hegemonia latina

Mesmo com a questão política exercendo forte influência no ICAIC, uma de suas preocupações maiores era apresentar ao público cubano o que havia de melhor na cinematografia mundial, especialmente a de origem latino-americana. Pretendia-se criar uma hegemonia latino-americana e também um público para a produção local, além de levar o cinema para todos os lugares e recantos da ilha. Foi graças ao ICAIC que Cuba se tornou um pólo cinematográfico latino-americano de referência. Durante seu auge, Cuba produzia cerca de 400 filmes anualmente, revelando uma produção profícua e que abraçava várias estéticas e vertentes, ainda que o Instituto privilegiasse os documentários e filmes noticiosos.

“O Instituto direcionou seus primeiros recursos para a produção de noticiários, documentários e, em menor, peso, para as ficções, especialmente as que fossem crônicas do momento de transformação pelo qual Cuba passava. A necessidade da mobilização massiva, a urgência dessa produção e o entusiasmo que advinha daquele momento de total adesão à Revolução condicionaram o ritmo intenso das produções iniciais”, afirma a pesquisadora em sua tese.

Ainda que o Instituto Cubano de Arte e Indústria Cinematográfica tenha perdido sua força com o passar dos anos e das transformações políticas e sociais que atingiram Cuba após a revolução, o ICAIC exerceu um importante papel de mediador entre cineastas e governo, entre a política cultural governamental e os projetos pessoais e coletivos dos realizadores. Através dele, Cuba investiu em festivais nacionais e internacionais e virou uma referência cultural na América Latina em termos de cinema, o que abriu caminho para outras iniciativas, como a criação da Escola Internacional de Cinema e TV de Cuba. Se hoje o cinema de Cuba não é mais como outrora e dependa de co-produções com outros países, ele entrou para o mapa junto com a Revolução de 1959.
FÁBIO FREIRE
Repórter

FIQUE POR DENTRO
Formação e aprendizado de cinema na ilha

Apesar de não ter nenhuma relação com a revolução de 1959, a Escola Internacional de Cinema e TV de Cuba (EICTV) é umas das principais iniciativas do país para a criação de um pólo cinematográfico na ilha. De caráter autônomo e sem vínculo com o governo cubano, apesar de receber apoio irrestrito, a escola foi criada em 1986 e é uma das atividades da Fundação do Novo Cinema Latino-Americano (FNCL), presidida pelo escritor colombiano Gabriel Garcia Márquez. Concebida como uma escola de formação artística, a EICTV coloca em prática uma filosofia particular: a de fazer uso da experiência de cineastas em atividade capazes de transmitir conhecimentos através da prática. Mesmo sem nível universitário, a escola oferece um curso regular de formação e uma série de oficinas que abordam as mais diversas etapas da produção cinematográfica. Recebe alunos de toda a América Latina, Ásia e África e alguns cineastas cearenses tiverem sua formação na escola, caso de Wolney Oliveira.

CINEMATOGRAFIA

Soy Cuba (1964)
Co-produção entre Cuba e a União Soviética realizada pelo cineasta russo Mikhail Kalatosov. Apesar de toda a audácia do filme, que pretendia ser uma propaganda para divulgar a Revolução Cubana, a obra fracassou logo na estréia, em Havana e em Moscou, e ficou abandonada nas prateleiras do ICAIC até os anos 1990, quando os cineastas norte-americanos Martin Scorsese e Francis Ford Copolla a relançaram, conquistando grande repercussão

Morango e Chocolate (1993)
Produção dirigida por Tomás ´Tito´ Gutierrez Alea e Juan Carlo Tabio toca no tabu da homossexualidade, traçando um painel sobre a dignidade e a amizade entre dois homens: um culto homossexual e um jovem estudante comunista. Outros problemas que permeiam a realidade cubana são abordados: o mercado negro, a ´santeria´ (equivalente à nossa macumba), a posse ilegal de dólares, a ´vigilância´ nas habitações coletivas etc. Primeiro filme cubano a ser indicado ao Oscar

LIVRO: Retrato crítico da revolução


Leia trecho do livro “Fidel - Um Retrato Crítico”, livro de Tad Szulc, uma das obras mais importantes sobre a revolução cubana

Avançando apoiado em seus cotovelos e joelhos, tão lentamente que seu corpanzil nem parecia se mover, o homem suado, com uniforme verde-oliva todo rasgado, seus óculos de tartaruga no rosto barbudo, deslizou cuidadosamente pelo baixo canavial, até ficar inteiramente coberto por uma espessa camada de folhas. Em sua mão direita, ele levava um fuzil com mira telescópica, arma de fabricação belga, calibre .30-06, seu único objeto de valor.

Aquele homem de alta estatura era advogado de trinta anos de idade chamado Fidel Alejandro Castro Ruz, o mais impetuoso e ardente apóstolo do desencadeamento de uma revolução social e política em Cuba, e agora - ao meio dia de 6 de dezembro de 1956, uma quinta-feira - um homem que se defrontava não só com o fim iminente de seus sonhos, como também com sua própria morte.

Os cubanos já conheciam Fidel Castro, havia muitos anos, como um conspirador muito falante porém ineficiente: um perdedor. Para o mundo exterior e, principalmente para os Estados Unidos, um país vizinho, ele era no máximo apenas mais um agitador do Caribe, de cuja existência a administração Eisenhower ainda não havia tomado conhecimento.

Esta ignorância dos norte-americanos refletia a atitude tradicional com relação a Cuba, a coisa mais parecida com um protetorado que os Estados Unidos tinham no hemisfério ocidental: Washington não precisava se preocupar com a política ou com os políticos cubanos porque seus administradores coloniais em Havana sempre mantinham o governo norte-americano a par do que ocorria. A idéia de que dentro de poucos anos Fidel Castro viria a estabelecer o primeiro Estado comunista nas Américas teria sido repudiada como ridícula, se alguém a sugerisse em dezembro de 1956.

Naquele momento, na verdade, Fidel Castro e seu grupo rebelde absurdamente pequeno - que havia desembarcado quatro dias antes na costa sul de Oriente, a província cubana onde nasceu Fidel, depois de uma viagem quase fatal desde o México - estavam completamente cercados por tropas governamentais. Os expedicionários exaustos e famintos tinham sido desbaratados e postos em fuga na tarde anterior, em sua primeira batalha em terra firme.

A idéia de se renderem aos soldados do ditador Fulgencio Batista y Zaldívar, o presidente que ele e os 81 rebeldes pretendiam depor, jamais ocorrera a Fidel, filho de um espanhol valentão. Pelo contrário, ele tinha aquela certeza do triunfo própria dos visionários quando tudo parece impossível e todas as chances estão matematicamente contra eles.

Na última vez que estive em Havana para ver Fidel Castro, ele estava às vésperas de seu sexagésimo aniversário, e o encontrei filosofando um pouco sobre a vida. Entre outras noções, ele acreditava firmemente ter sido o destino que, há mais de um quarto de século, fez com que ele escalasse as alturas e atingisse o ápice de sua força.

O assunto fazia parte de uma conversa mais abrangente sobre a história e as condições humanas, que tivéramos tarde da noite em seu gabinete, à vontade ao afirmar que alguns líderes eram destinados a representar papéis cruciais no desenrolar da história da humanidade, e que ele, sem dúvida, era um deles.

Então, ele passou a desenvolver seu tema histórico favorito: a tese de que tais líderes podem influir subjetivamente nas condições objetivas de um país. Para Fidel, esse é um ponto de vista absolutamente vital para uma interpretação correta da Revolução Cubana, visto que ele conseguiu provar que estavam erradas as teorias clássicas dos chamados “velhos” comunistas cubanos. Esses comunistas haviam insistido na assertiva de que uma revolução popular, como a apregoada por Fidel, seria impossível em Cuba, porque as necessárias “condições objetivas”, definidas por Karl Marx, não predominavam no país; coerentemente com seus princípios, eles deram costas à insurreição fidelista até os últimos meses. De maneira inaudita, os comunistas de Cuba foram, portanto, cooptados e aceitos por Fidel Castro (que não pertencia ao partido), em vez de ter acontecido o contrário. Eles acabaram se colocando em uma situação em que não tinham escolha.

A verdade é que, nos primeiros dias, os comunistas ortodoxos rejeitavam ainda mais a heresia ideológica de Fidel Castro (ou, no ponto de vista deles, a arrogância desmedida de Fidel) quando postulava que “a personalidade de um homem pode transformar-se em um fator objetivo” em uma situação mutável. Naturalmente, Fidel sempre teve a si mesmo em mente nesse contexto. Os marxistas-leninistas tradicionais, com seus trinta anos de experiência em um partido cujas diretrizes vinham de Moscou, com atividades confinadas à organização de greves trabalhistas de protesto ou alianças de frentes populares com políticos burgueses (inclusive Fulgêncio Batista na década de 1940), jamais conseguiriam entender que a personalidade de um único homem pudesse, de fato, desencadear uma revolução nacional. Apenas Fidel Castro e os mais fiéis fidelistas poderiam acreditar em tal absurdo.

Devemos lembrar que, em 1956, o Partido Comuinista Cubano - conhecido, anteriormente, como Partido Socialista Popular e declarado ilegal por Fulgêncio Batista após o golpe de 10 de março de 1952 - recebia suas ordens (e opinões) do Kremlin. Entretanto, os soviéticos, evidentemente, não haviam aprendido nada com a guerra civil chinesa, quando Mao Tse-Tung demonstrou que, contrariamente à teoria stanilista, o comunismo poderia prevalecer apenas quando desfrutasse de apoio total por parte dos camponeses, e que o controle das cidades não era suficiente.

Fidel Castro não estava propondo uma revolução de camponeneses em Cuba, porém, como peça central de sua estratégia, ele imaginava a tática de guerrilha se expandindo com o apoio dos homens do campo, a partir de um núcleo na montanha, engolfando com o tempo toda a ilha - um conceito que os comunistas mais voltados para as ideologias não podiam absorver. Conseqüentemente o partido enviou um emissário ao México, em novembro de 1956, para dissuadir Fidel de seus planos., anunciados publicamente. As atitudes dos comunistas com relação a Castro, naquela fase e depois, perfazem um relacionamento intensamente fascinante e complicado.

De uma maneira que nem os “velhos” comunistas cubanos nem os Estados Unidos tiveram capacidade de entender à época - e Moscou e Washington talvez ainda não entendam por completo nem mesmo agora -, Fidel Castro edificou sua revolução, primordialmente, assentada nos sentimentos históricos de Cuba.

Observação: Matéria exclusiva do Jornal Diário do Nordeste.
Quero parabénizar-lo pela grande matéria.

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