terça-feira, 27 de janeiro de 2009

PROTESTO DIPLOMÁTICO: Itália convoca embaixador

A Itália pressiona contra decisão brasileira no caso Battisti e insinua dificultar participação do Brasil no G8

Brasília. Em um claro sinal de protesto e de agravamento da crise, a Itália convoca seu embaixador em Brasília de volta à Roma e afirma que vai continuar a pressionar por uma revisão da decisão do Brasil de dar status de refugiado político ao ex-ativista de extrema-esquerda, Cesare Battisti. Os italianos, que presidem o G8 (grupo dos países ricos) ainda insinuaram que podem dificultar um convite ao Brasil para participar do grupo de elite das grandes potências.

A decisão de chamar o embaixador foi tomada pela cúpula do governo italiano, com o envolvimento direto do primeiro-ministro Silvio Berlusconi. Oficialmente, o embaixador vai à Itália apenas para consultas na chancelaria e a decisão não representa o rompimento nas relações entre os dois países. Mas, na linguagem diplomática, a convocação de um embaixador é considerada um ato de protesto e o último passo de um governo antes do rompimento de relações diplomáticas.

Roma admitiu que a convocação de seu embaixador é a primeira em décadas e justifica a decisão: o Brasil está dando refúgio a uma pessoa condenada à prisão perpétua pela Justiça italiana. A decisão foi tomada depois que a Procuradoria Geral da República recomendou ao Supremo Tribunal Federal (STF) que facilitasse a concessão de refúgio político e liberdade a Battisti. A Itália considerou ‘‘um escândalo’’ a decisão do procurador brasileiro, Antonio Fernando de Souza, de pedir o arquivamento do pedido de extradição.

‘‘Após uma consulta com o primeiro-ministro (Berlusconi) sobre a grave decisão do procurador-geral Antonio Fernando de Souza, o Ministro das Relações Exteriores, Franco Frattini, convocou o embaixador italiano no Brasil, Michele Valensise, para consultas em Roma’’, afirmou a nota do governo italiano. ‘‘Foi uma decisão muito grave e francamente inaceitável’’, disse o ministro das Relações Exteriores da Itália, Franco Frattini, em relação o arquivamento do processo.

Na semana passada, o governo italiano havia solicitado ao STF vista do processo de extradição do ex-ativista. ‘‘A resposta saiu em apenas 48 horas sem objetivamente ter uma avaliação com aquela profundidade que esperávamos. Nos parece que simplesmente acataram a decisão política do ministro da Justiça brasileiro’’´, disse o ministro. Frattini insistiu que convocou o embaixador para consultas diante da decisão do procurador. ‘‘Vamos discutir quais serão as novas diretrizes’’, disse. Para o chanceler italiano, o Brasil é ‘‘um grande país amigo da Itália’’. ‘‘Mas exatamente por isso não esperávamos que fizessem algo tão grave’’. ‘‘Battisti é um terrorista e não merece o status de refugiado político’’.

O ministro italiano para Assuntos Europeus, Andrea Ronchi, considerou ‘‘vergonhosa’’ a postura do Brasil. ‘‘É intolerável que o assassino de quatro cidadãos italianos possa ficar em liberdade e viver tranquilo no Brasil. Estamos drasticamente indignados. É um escândalo moral, uma vergonha que ainda se justifiquem os assassinatos’’, disse o ministro. O vice-ministro de Relações Exteriores, Alfredo Mantica, se disse ‘‘indignado’’ com o Brasil. ‘‘Lula coloca em discussão a democracia e o sistema jurídico italiano’’, afirmou. ‘‘Francamente, não podemos aceitar receber uma lição do Brasil ou de Lula’’, atacou Alfredo Mantica.

PRESSÃO
Embaixada brasileira recebe avalanche de cartas e e-mails

Roma. A embaixada do Brasil em Roma está observando nos últimos dias um novo fenômeno: a avalanche de e-mails e cartas que está recebendo, com críticas à decisão brasileira em relação a Cesare Battisti. A embaixada não está dando conta de responder os e-mails. ‘‘São dezenas de mensagens por dia’’, informou um funcionário da embaixada. Alguns dos e-mails chegam a usar palavrões para atacar o Brasil e insultos pesados.

O jornal ‘‘Il Tempo’’, de Roma, ainda iniciou uma campanha para pressionar pela extradição de Battisti. O jornal pede a adesão de italianos — e mesmo de brasileiros que vivem no país — para protestar contra a decisão brasileira.

Após pronunciamento do governo brasileiro a favor da concessão de refúgio a Cesare Battisti, o STF deve julgar a causa de Battisti, que aguarda sua libertação em uma penitenciária de Brasília, depois de ser detido no Rio de Janeiro em 2007 e de ser condenado na Itália por quatro assassinatos. O caso envolveu até a primeira-dama francesa, Carla Bruni, acusada por uma associação de vítimas italianas de influenciar a decisão de Lula durante sua visita ao Brasil.

PROVOCAÇÃO
Caso mexe até com amistoso de futebol

Brasília. Além da iniciativa política, o governo anunciou que queria pedir à federação de futebol da Itália para reconsiderar a partida amistosa contra o Brasil. ‘‘Precisamos fazer uma séria consideração sobre a hipótese de cancelar a partida amistosa entre as seleções. Diante da situação entre Itália e Brasil, corremos até o risco de que um espetáculo esportivo se transforme em uma disputa política’’, disse o vice-ministro de Relações Exteriores, Alfredo Mantica.

No final do dia, Mantica admitiu que estava fazendo uma ‘‘provocação’’. Berlusconi, assim como Lula, é apaixonado pelo futebol. Mantica continuou ameaçando e o impacto poderá ser sentido na política externa. ‘‘Estávamos prontos para acolher o Brasil e escoltá-lo para o G8’’, afirmou Mantica. ‘‘Mas agora vivemos uma desilusão profunda’’, disse Mantica, à Radio3 Mondo.

Em plena crise mundial, o G8 estuda uma nova participação dos países emergentes. Lula, assim como os presidentes da China, Índia e outros, eram sempre convidados aos encontros, mas não tinham voto nas decisões. Em 2009, porém, a Itália queria aproveitar sua presidência no grupo para oficializar a entrada dos países emergentes no bloco.

Fontes do Ministério das Relações Exteriores da Itália admitiram que o caso está tendo ‘‘enorme repercussão’’ na cúpula do governo de Silvio Berlusconi, que também é presidente do Milan. ‘‘Há muita sensibilidade em relação ao tema, em especialmente nesse governo’’, afirmou a fonte diplomática.

Em Roma, o gabinete de Mantica insistiu que o governo Berlusconi se sentiu ‘‘traído’’ pela decisão do Brasil. Em dezembro, Lula havia estado em Roma para uma visita oficial e Berlusconi não economizou esforços para tentar agradar o brasileiro.

As promessas de investimentos italianos no Brasil também se multiplicavam, pelo menos antes da crise financeira mundial. Em Roma, a embaixada brasileira recebeu até mesmo empresários interessados nos projetos do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), em especial na construção do trem-bala que vai ligar as cidades brasileiras de São Paulo e Rio de Janeiro.

CRONOLOGIA DO CASO

1979 Acusado por quatro assassinatos, o então militante de esquerda Cesare Battisti é preso na Itália mas depois foge para a França e em seguida para o México

1990 Volta a Paris, França

1993 Battisti é condenado à prisão perpétua na Itália

2004 Perde a proteção francesa e é preso. Torna-se clandestino e foge para o Brasil, onde passa a viver no Rio de Janeiro

2007 O ex-ativista é preso no Brasil. A Itália pede sua extradição enquanto o italiano pede refúgio no Brasil

2008 O Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), ligado ao Ministério da Justiça, julga e nega o pedido de refúgio a Battisti

2009 No início de janeiro, o ministro da Justiça,Tarso Genro, concede refúgio político a Battisti. A defesa do italiano pede o fim do processo de extradição. O presidente da Itália, Giorgio Napolitano, envia carta ao presidente Lula em que reitera o pedido de extradição. Lula defende, também em carta, a concessão do refúgio e diz que decisão é ´soberana´

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