segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

PRIVILÉGIO EM DEBATE: Prisão especial será limitada

privilégio, no entanto, não será extinto, mas somente utilizado na hipótese de prisão de autoridades

Brasília. O instituto da prisão especial para pessoas com nível superior, assegurado pelo Código Penal Brasileiro (CPP), pode ser extinto, com a reformulação da legislação federal. Pelo menos essa é o desejo declarado dos membros da Comissão Especial criada no dia 9 de julho passado pelo presidente do Senado, Garibaldi Alves, para elaborar o anteprojeto do CPP.

Para os membros da comissão não há justificativa constitucional para que os detentores de diploma universitário tenham a garantia de prisão especial. Eles querem eliminar a relação entre diploma e prisão especial, já que entendem não haver conexão entre os temas, além de ferir o princípio da igualdade.

O privilégio, no entanto, não será extinto, mas somente utilizado na hipótese de prisão de autoridades e de integrantes de órgão de segurança pública. A comissão entende que no caso das autoridades a medida é necessária uma vez que se trata de preservação do cargo, e não de uma pessoa.

No início da semana os juristas analisaram ainda o instituto da prisão preventiva. O colegiado defende a obrigatoriedade de reexame periódico da decisão judicial para que seja observado se os motivos que justificaram tal prisão ainda existem. Atualmente não há controle sistemático sobre as razões que motivaram a prisão.

O colegiado também defendeu a necessidade de assegurar ao preso o direito de ser assistido por um advogado ou defensor público desde o interrogatório policial. No Brasil esse direito só ocorre na fase de interrogatório judicial.

A próxima reunião da comissão está marcada para o dia 9 deste mês, quando o debate desses temas será aprofundado. A última reunião do colegiado está previsto para janeiro, mas pode haver prorrogação dos trabalhos.

A comissão foi instalada em 9 de julho pelo presidente do Senado, Garibaldi Alves, atendendo a requerimento do senador Renato Casagrande (PSB-ES) e já recebeu mais de 200 sugestões da sociedade pelo site www.senado.gov.br/novocpp ou pelo e-mail novocpp@senado.gov.br.

Lei tem 67 anos

Desde 1941, com a promulgação do Código de Processo Penal, a chamada prisão especial já estava prevista, no seu artigo 295. De acordo com o texto, poderão ser recolhidos a quartéis ou a prisão especial, quando sujeitos a prisão antes da condenação definitiva os ministros de Estado, os governadores ou interventores de Estado ou Territórios, o prefeitos e seus respectivos secretários, os vereadores, senadores, deputados federais e estaduais, os chefes de Polícia; cidadãos inscritos no ‘Livro de Mérito’; os oficiais das Forças Armadas e do Corpo de Bombeiros; os magistrados; diplomados por faculdades superiores; ministros de confissão religiosa; ministros do Tribunal de Contas; jurados; e os guardas-civis dos Estados e Territórios.

Essa não é a primeira vez que tenta-se revisar essa legislação, em 2001, o então ministro da Justiça, José Gregori, encomendou a uma comissão de juristas que fizesse uma revisão na lei da prisão especial.

O ministro foi motivado pelos protestos contra os luxos desfrutados na prisão pelo ex-juiz Nicolau dos Santos Neto, maestro do desvio milionário de dinheiro público do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo.

MUDANÇAS

Collor revogou decreto datado de 1955

A chamada ´prisão especial´, regulamentada pelo Decreto nº 38.016, de 5.10.55, foi revogada por outro Decreto, o nº 11, de 18 de janeiro de 1991, subscrito pelo ex-Presidente Fernando Collor. O decreto de 1991 eliminou uma série de regalias fixando que a prisão especial consistia exclusivamente no recolhimento em local distinto da prisão comum, e no caso de não haver esse local, o preso seria recolhido em cela distinta do mesmo estabelecimento. Regalias como recreio, visitas de parentes em qualquer horário, dentre outras foram extintas.

No ano de 2001, a lei 10.258, alterou o artigo 295 do Código Penal, incluindo as categorias dos oficiais das Forças Armadas e os militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios como detentores do direito a prisão especial.

Na história recente do País, diversas categorias profissionais conquistaram o direito de quando presos cautelarmente , pudessem ser recolhidos em prisão especial, tais como: os comerciantes matriculados (1915 ); vigilantes municipais do antigo Distrito Federal (1945); oficiais da Marinha Mercante Nacional que já tiverem exercido comando (1949); dirigentes e administradores sindicais (1956); servidores do Departamento Federal de Segurança Pública (1957); pilotos de Aeronaves Mercantes Nacionais (1962 ); policiais Civis do Distrito Federal e da União (1965); funcionários da Polícia Civil dos Estados e Territórios (1967) e professores de 1º e 2º
Graus (1983).

Jornalistas

Outras categorias passaram a ter leis específicas garantindo o direito a cela especial. A lei nº 5.250, de 9 de fevereiro de 1967, em seu artigo 66, fixa que o jornalista não pode ser detido nem recolhido preso antes da sentença transitada em julgado; em qualquer caso, somente em sala decente, arejada e onde encontre todas as comodidades.

O parágrafo único do artigo complementa que a pena de prisão de jornalistas será cumprida em estabelecimento distinto dos que são destinados a réus de crime comum e sem sujeição a qualquer regime penitenciário ou carcerário.

Já os magistrados que já eram beneficiados decidiram fixar a regalia em lei própria a partir da Lei Complementar 35, de 14.3.79 – Lei Orgânica da Magistratura. Os membros do Ministério Público, por sua vez, seguiram os mesmos passos com a lei º 8.625, de 12.2.83 – Lei Orgânica Nacional do Ministério Público.

Em 1993, com a Lei Complementar 75 passam a integrar essa relação os membros do Ministério Público da União, Os advogados também tiveram esse direito reforçado com o estatuto da Advocacia, lei 8.906 de 4 de julho de 1994.

CÂMARA DOS DEPUTADOS

Projeto foi retirado por divergências

Na Câmara, o deputado Valdemar Costa Neto (PR-SP) apresentou o projeto 678/2003 restrigindo a lista de categorias com direito a prisão especial. A proposta, no entanto, foi retirada de pauta em maio passado devido divergências em relação ao mérito da matéria, para ser analisada em outra ocasião.

Ao ser discutido na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) o projeto recebeu um substitutivo que tirou o privilégio dos diplomados em curso superior e dos ministros de confissão religiosa (padres e pastores, por exemplo), Cidadãos inscritos no Livro de Mérito; Ministros do Tribunal de Contas.

De acordo com a justificativa do projeto, a prisão especial foi criada em face de que o acusado se presume inocente enquanto não houver sentença transitada em julgado. O instituto surgiu para proteger pessoas que se distinguem por exercício de atividade social que, de alguma forma, as submeta a riscos pessoais ou à animosidade pública.

Observa que esse privilégio acabou por criar uma das faces mais perniciosas da impunidade, que é manter a prisão especial para determinadas categorias sociais, cujo desempenho de sua atividade específica não representa qualquer risco presumível no contato com os demais presos comuns, como, por exemplo, os portadores de diplomas de curso superior.

Diz ainda que outro aspecto deplorável são as regalias à custa do erário público das chamadas prisões cinco estrelas com direito a televisão, frigobar , ar condicionado e comida especial.

Entende ser lícito resguardar a vida de um policial preso enquanto espera julgamento, pois existe o risco real de, a título de exemplo, encontrar na prisão algum detento por cuja prisão tenha sido responsável e expor-se, desta forma, à vingança.

Para o deputado, algumas categorias, como professores de primeiro e segundo grau, jornalistas, advogados, marinheiros mercantes, pilotos de aeronaves mercantes, ministros de confissão religiosa e até os juízes de paz estão incluídos na lista dos privilegiados com prisão especial, dando a impressão de que a salvaguarda se tornou uma espécie de homenagem a determinadas categorias, canonizadas por decreto.

Ele cita ainda nessa lista os inscritos no “Livro de Mérito”. Que foi criado pelo Decreto-Lei Nº 1.706 de 1939, depois mantido pelo Decreto-Lei Nº 9.732 de 1946, como livro de inscrição dos nomes agraciados com a “ Ordem Nacional do Mérito” que, em 1991 teve sua legislação consolidada por meio do Decreto Nº 203 assinado pelo então Presidente Collor.

FIQUE POR DENTRO

Comissão terá trabalho estendido até janeiro

A comissão de juristas criada pelo presidente do Senado, Garibaldi Alves, para revisar o Código Penal, é coordenado pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Hamilton Carvalhido e tem como relator-geral o procurador regional da República Eugenio Pacelli. Integram ainda o colegiado o juiz federal Antonio Corrêa; o advogado e professor da Universidade de São Paulo (USP) Antônio Magalhães Gomes Filho; o advogado e ex-secretário de Justiça do estado do Amazonas Félix Valois Coelho Júnior; o advogado e professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Jacinto Nelson de Miranda Coutinho; o delegado federal e presidente da Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal (ADPF), Sandro Torres Avelar; e o promotor de Justiça Tito de Souza Amaral. A comissão deve ter seus trabalhos estendidos até janeiro.

Marcelo Raulino
Repórter

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