quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Abastecimento crítico: Pacto alerta contra escassez hídrica


O elevado número de cearenses sem acesso à água e saneamento básico é desastroso, segundo Eudoro Santana

Fortaleza. Mais de 5 milhões da população do Estado não têm saneamento básico. Mais de 3 milhões dos cearenses sem acesso à água tratada. Esses são alguns dos dados preocupantes que compõem o alerta do “Cenário atual dos recursos hídricos do Ceará”, documento final do Pacto das Águas que será lançado hoje, às 11h, no Plenário 13 de Maio da Assembléia Legislativa do Ceará (AL).

O documento traça um perfil do acesso e da distribuição da água no Estado. O livro contém dados de diversas fontes oficiais e é resultado de discussões realizadas pelo Pacto desde setembro do ano passado, que envolveram 86 instituições a partir do funcionamento do Conselho de Altos Estudos e Assuntos Estratégicos da AL.

A insegurança hídrica do Estado para garantir o abastecimento humano e a segurança alimentar é diagnosticada no documento. Além da falta de acesso à água por grande parte da população, os níveis de abastecimento são insatisfatórios em dezenas de sedes municipais, como mostra o mapa ao lado. Ao quadro preocupante atual, acrescenta-se a análise publicada no Atlas do Abastecimento do Semi-árido, editado pela Agência Nacional de Águas (ANA) em 2006.

Naquela ocasião, a autarquia federal considerou que 81% das sedes municipais das cidades com mais de cinco mil habitantes do Ceará — 112 sedes — estão em situação crítica para atender à demanda estimada do ano 2025. Os 19% restantes foram considerados satisfatórios para o horizonte de planejamento mencionado. Para o coordenador do Pacto das Águas, Eudoro Santana, o elevado número de cearenses sem acesso à água e saneamento básico é “desastroso”. Três conclusões principais são citadas na introdução do documento. A primeira é que a realidade do Estado é desconhecida, pois faltam dados mais confiáveis, especialmente do potencial de água subterrânea e da demanda atual e futura. A segunda é que a gestão de recursos hídricos é voltada mais para a oferta, sendo necessário garantir um ciclo mais integral das águas. Destaca-se ainda que é preciso mudar a postura das instituições públicas, bem como a da sociedade civil, que precisa estar mais presente e responsável na busca de soluções, conforme destaca o documento do Pacto.

Além desses, outros problemas são citados, como a dificuldade de acesso à água existente em reservatórios localizados em propriedades privadas.

Faltam informações

Para Santana, o relatório final do Pacto mostra que há muita falta de informações no Estado, como a respeito da qualidade das águas ou da localização dos cerca de 26.600 espelhos d’água do Estado. O coordenador lembra que o desconhecimento das informações prejudica a implementação das políticas públicas do setor e as atividades econômicas do Estado: “Como garantir a um empresário que ele vai ter água disponível e de qualidade?”.

Para ele, é preciso envolver sociedade, indústrias, empresas na busca de soluções junto com o poder público, para evitar que o Ceará sofra com a escassez de água no futuro. Santana lembrou que as universidades podem estar mais presentes nesse processo, não só pela participação individual de professores e profissionais, mas como instituições que impõem o resultado das pesquisas científicas nas políticas públicas.

SAIBA MAIS

Evaporação

Uma das principais causas da insegurança hídrica no Estado é a evaporação da água da chuva e dos reservatórios hídricos. Enquanto a média anual de chuvas gira em torno de 800mm, a de evaporação chega a 2.100mm.

Exclusão

O documento diagnostica a falta de políticas permanentes que assegurem mudança no quadro de exclusão social, pois o modelo de desenvolvimento adotado não apresenta soluções para a inclusão. Observa-se que as grandes barragens e projetos de irrigação não atendem às pequenas produções.

Reabastecimento

A não utilização da infra-estrutura hídrica para o reabastecimento de lagoas e outros mananciais é criticada no documento. Segundo Eudoro Santana, com a garantia de um abastecimento permanente, esses locais poderiam ser usados para o lazer e a irrigação.

Deficiência

O uso indevido das águas subterrâneas e geração deficiente de trabalho, ocupação e renda são outros problemas citados no documento.

SITUAÇÃO PRECÁRIA

Irregularidade em mananciais

Fortaleza. O maior problema para garantir o acesso da água à população está na irregularidade dos mananciais hídricos, segundo o gerente de Projetos da Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece), João Fernando Menescal. Outro fator que influi no elevado número de cearenses sem acesso à água tratada é a dificuldade de se levar o recurso às comunidades rurais mais afastadas, operadas pelo Sistema Integrado de Saneamento Rural.

Segundo dados da Cagece, a cobertura de atendimento à população chega a 97% da população nos 149 municípios e 234 localidades em que a companhia atua. Ele explica que cidades aparecem com coberturas deficientes nos dados do Pacto justamente pela insegurança das fontes de água. Conforme Menescal, os problemas decorrentes do abastecimento e da distribuição são localizados e resolvidos em curtos períodos de tempo. Segundo informações obtidas pelo Pacto das Águas, o restante dos municípios cearenses tem o serviço operado pelo Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE) ou por órgãos municipais.

Saneamento

Já quanto ao fato de mais da metade da população do Ceará não ter acesso ao saneamento básico, Menescal reconheceu que os principais problemas são os serviços de esgoto e gestão do lixo. O primeiro é operado pela Cagece, mas exige muito investimento, o triplo do necessário para um sistema de água. Já o segundo é de responsabilidade municipal.

A oferta de água tratada e as ações de drenagem influem em um saneamento satisfatório, mas têm soluções mais fáceis, conforme o gerente, que acredita que é preciso conscientizar a população da importância da coleta e do tratamento do esgoto. Esse pensamento é consensual com o de Eudoro Santana, que acredita que o cuidado com o meio ambiente deveria ser ensinado na escola.

Sobre a qualidade da água, Menescal garantiu que a empresa faz ensaios diários para deixá-la nos padrões para consumo humano. Sobre o fato de o acesso à água estar ligado ao poderio econômico, outro problema constatado no documento, considerou que a taxa cobrada está entre as cinco mais baratas do Brasil, não podendo ser considerada excludente.

A continuação da dependência da água fornecida pelos carros-pipa foi outro problema citado no documento. Em 2007, 1.588 comunidades, correspondentes a mais de 47 mil famílias em 56 municípios, foram atendidas pela operação. A falta de garantia de qualidade e quantidade dessa água também é citada.

Os impactos desse problema na saúde também são relacionados. Apesar da ausência de dados confiáveis, menciona-se que muitas mortes estão associadas a condições insalubres de água e saneamento e que 60% das internações hospitalares eram devido a doenças transmitidas pela água, como hepatite, meningite e disenteria (dado de 2005).

ÍCARO JOATHAN
Repórter

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